quarta-feira, 17 de março de 2010

O Problema do prazer

Por que o sexo é uma fonte de prazer? Obviamente, reprodução não requer a existência do prazer: alguns animais simplesmente se dividem ao meio, e até mesmo os humanos utilizam métodos de inseminação artificial que não envolvem prazer. Então, por que o sexo é uma fonte de prazer?
Por que comer acarreta prazer? As plantas e os animais de organismos menos complexos conseguem obter sua cota de nutrientes sem o luxo de papilas gustativas. Por que não acontece o mesmo conosco?
Por que existem cores? Algumas pessoas vivem muito bem sem a capacidade de distingui-las. Por que complicar o mecanismo da visão de todos os outros?
Outra questão: Que orgulho exagerado levou os fundadores dos Estados Unidos como nação a incluírem a busca da felicidade na lista em que relacionam os três direitos analienáveis? Na tentativa de explicar esta atitude, disseram que consideravam que essas verdades fossem evidentes por si só? Ao avaliar a história, ninguém poderia chegar à conclusão de que a busca da felicidade é um direito evidente e inalienável. A morte talvez o seja – ninguém pode roubá-la de nós, mas a busca da felicidade? Em que nos baseamos para tomá-la como certa?
Percebi, outro dia, depois de ler mais um dos inúmeros livros que já me vieram às mãos sobre o problema da dor ( que parece ser a obsessão teológica deste século), que jamais vi um livro sobre “o problema do prazer”. E nem qualquer filósofo que balance a cabeça em perplexidade frente à questão básica de saber por que experimentamos o prazer.
De onde vem o prazer? Esta me parece uma questão muito importante que, para os ateístas, é a equivalente filosófica do problema da dor para os cristãos. Quanto ao prazer, os cristãos podem respirar mais aliviados. Um Deus bom e amoroso naturalmente iria desejar que suas criaturas sentissem prazer, alegria e satisfação pessoal.
Nós, cristãos, partimos desta pressuposição e depois procuramos um modo de explicar a origem do sofrimento. Mas será que os ateístas e humanistas seculares não têm, também, a obrigação de explicar a origem do prazer em mundo de acasos e ausência de significado?
Pelo menos uma pessoa encarou o assunto com precisão. Em seu livro Orthodoxy (Ortodoxia), que não se pode deixar de ler, G.K. Chesterton ligou sua própria conversão ao cristianismo ao problema do prazer. Ele descobriu que o materialismo era muito frágil para justificar o sentimento de admiração e prazer que algumas vezes caracteriza nossa reação ao mundo, e em especial a atos humanos bem simples, como sexo, nascimento e criação artística. Eis como ele descreve a experiência: “Senti no mais interior do meu ser, em primeiro lugar, que este mundo não explica a si mesmo...Segundo, passei a sentir como se o que é mágico precisasse ter um sentido e o sentido quisesse alguém para estabelecê-lo. Existe um toque pessoal no mundo, assim como há um toque do artista em uma obra de arte...Terceiro, considerei este propósito belo em sua velha forma, apesar de deficiências como os dragões. Quarto, que modo apropriado de agradecer por tudo é através de uma forma de humildade e restrição. Deveríamos agradecer a Deus pela cerveja e o vinho da Borgonha não bebendo muito deles...E por último, e o mais estranho, veio-me à mente a impressão vaga, mas ampla, de que, de algum modo, todo o bem era um vestígio a ser guardado e valorizado, o que restou de uma ruína inicial. O homem salvou o bem que há nele, assim como Robinson Crusoe salvou seus pertences: retirando-os do meio dos destroços. Senti tudo isso sem qualquer estimulo da minha era. E durante todo este tempo não havia nem mesmo pensado na teologia cristã.”
Chesterton ajudou a esclarecer o problema do prazer com uma só pincelada. Para o incrédulo, o problema está centralizado na questão da origem: De onde vem o prazer? Chesterton procurou alternativa, e estabeleceu que o cristianismo fosse à única explicação razoável para a existência do prazer no mundo. Momentos de prazer são vestígios, assim como os objetos levados para praia depois de um naufágio.
São como bocadinhos do Paraíso dispersos pelo tempo.
Mas, uma vez que alguém aceita essa explicação, reconhecendo Deus como a fonte de todas as boas dádivas, novos problemas aparecem. O modo adequado de se agradecer a Deus por suas boas dádivas, e aqui os abstêmios farão uma exceção com os exemplos de Chesterton (cerveja e vinho) - é usá-las com humildade e restrição.
Ocorre-me agora que talvez eu tenha lido uma obra sobre o problema do prazer: o livro de Eclesiastes. A história da decadência do homem mais rico, sábio e talentoso do mundo serve como alegoria perfeita do que pode acontecer quando perdemos de vista o Doador cujos presentes recebemos com alegria.
Na opinião de Chesterton, a promiscuidade sexual descrita em um livro como Eclesiastes ( o autor presumido tinha 700 esposas e 300 concubinas) não supervaloriza o sexo; antes, desvaloriza-o.
Reclamar de só poder me casar uma vez é como reclamar de só ter nascido uma vez. Essa reclamação era desproporcional à excitação terrível da qual se falava. Mostrava não uma sensibilidade exagerada ao sexo, mas uma curiosa insensibilidade a ele...A poligamia é a ausência de realização sexual; é como um homem que colhe cinco pêras sem prestar qualquer atenção a elas.
Desta forma o prazer é, ao mesmo tempo, um grande bem e um grande perigo. Se começarmos a buscá-lo como um fim em si mesmo, poderemos perder, no decorrer do caminho, a visão daquele que nos concedeu boas dádivas como impulso sexual, papilas gustativas e a capacidade de apreciar a beleza. Como Eclesiastes nos mostra, uma devoção total ao prazer, paradoxalmente, levar-nos-á a um estado de completa desesperança.
E tudo isso me leva a pensar em uma abordagem totalmente nova da decadência de nossa sociedade. Todo domingo ligo a televisão e ouço pregadores execrarem as drogas, a liberdade sexual, a cobiça e os crimes que "ocorrem soltos" pelas ruas da cidade dos Estados Unidos. Mas, em vez de apenas apontar o dedo para esses abusos óbvios dos presentes de Deus, talvez devêssemos trabalhar para demonstrar ao mundo de onde provêm, na verdade, as boas dádivas, e por que são boas. Penso em uma frase antiga: "A hipocrisia é a reverência que o vício faz à virtude." Drogas fazem reverência à verdadeira beleza, a promiscuidade à satisfação sexual, a cobiça à mordomia, e o crime é um atalho para apoderar-se de todo resto.
De algum modo, os cristãos adquiriram a reputação de serem contra o prazer, apesar de acreditarem que o prazer foi uma invenção de própio Criador.Temos que fazer uma escolha. Podemos apresentar-se como pessoas rígidas, enfadonhas, que são privadas, sacrificialmente, de metade da graça da vida, limitando nosso deleite no sexo, nos alimentos e em outros parazeres do sentido. Ou podemos dispor-nos a aproveitar ao máximo o prazer, o que significa usufruir dele da maneira que o Criador pretendia ao nos moldar. 
Nem todos adotarão a filosofia cristã do prazer. Alguns céticos zombarão de qualquer inistência quanto à moderação, com uma atitude de condescendência. Para estes, tenho algumas perguntas simple, Por que o sexo é prazeroso? Por que é gostoso comer? Por que existem cores? Ainda estou à espera de uma explicação que não inclua a palavra Deus.

 Fonte: Extraído do livro "Perguntas que precisam de Respostas".(Philip Yancey, págs. 187-190 ).

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