quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

REPENSANDO A MORTE DE DEUS EM NIETZSCHE


O presente artigo procura mostrar o pensamento sobre a morte de Deus na filosofia
dos séculos XIX e XX.  Pelo que se percebe as afirmações filosóficas de vários expoentes e em especial Nietzsche.  Para fundamentar essa assertiva é importante apontar o posicionamento da teologia e da história cujo qual aponta a realidade e o motivo da afirmação da morte de Deus.
O século XX foi o século da morte de Deus. Não só a ciência desprendeu-se definitivamente de qualquer apelo ao sobrenatural, como a maioria das constituições políticas dos novos regimes que surgiram afirmaram sua posição secular e agnóstica, separando-se das crenças. Chegou-se até ao radicalismo soviético que pronunciou-se como um Estado ateu. Se bem que a religião ainda constitui um poderoso fator de mobilização das massas e um, até agora, insubstituível apoio ético e moral, deve-se reconhecer que as elites modernas deram as costas a Deus. Mas esse gigante da religião, da teologia e da imaginação prodigiosa dos homens não morreu de uma vez só. Foi morto aos poucos ao longo do século XIX, de Laplace a Nietzsche.
Se, no século XVIII, a revolução e a moderna ciência francesa davam início ao banimento de Deus, na Alemanha a pregação pelo afastamento do Todo-Poderoso das coisas do mundo se fez pela verve da filosofia e, pasme-se, pela própria teologia. Kant, com a sua doutrina agnóstica, que afastou as coisas da fé de qualquer provável entendimento racional (fé e razão atuam em esferas distintas, inconciliáveis), abriu caminho para que a geração seguinte de cientistas e pensadores passassem à crítica direta da religião. Sintoma disso foi a humanização crescente da figura de Jesus, como deu-se na obra de David F. Strauss, um teólogo.
O passo seguinte ao do doutor Strauss, ainda na Alemanha, foi dado em 1841 por Ludwig Feuerbach com a publicação do A essência do cristianismo, onde assegurou ser Deus uma projeção dos desejos de perfeição do homem. Vivendo em meio a infelicidade e na insegurança do sentimento de morte, os humanos idealizavam um reino perfeito nos céus, onde serão eternamente felizes e imortais. Era a alienação do homem que criara a crença no Ser Supremo, sentindo-se depois oprimido por ele. O mesmo fenômeno diria Marx (outro "matador de Deus"), engendrara a sociedade capitalista moderna, onde o Capital manipula os burgueses e oprime o proletariado.
O anúncio da morte de Deus ganha seu efeito mais contundente e dramático no famoso aforismo de A Gaia ciência, onde o homem louco anuncia aos homens que Deus está morto.
 Diz ele:
 “Os deuses também se decompõem! Deus morreu! Deus continua morto! E fomos nós que o matamos! Como haveremos de nos consolar, nós, assassinos entre os assassinos! O que o mundo possui de mais sagrado e de mais poderoso sangrou sob o nosso punhal”. (NIETZSCHE, 2001).
 O super-homem proposto por Nietzsche em contraposição com a morte de Deus aparece constantemente na fala do personagem Nietzschiano, Zaratustra. Zaratustra, portanto é o anunciador, o profeta do super-homem. É também este personagem que representa o apogeu de toda a doutrina filosófica de Nietzsche. É na boca de Zaratustra que podemos extrair duas das maiores contribuições do pensamento nietzschiano: a idéia do super-homem e a do eterno retorno. Um retorno de todas as coisas, para Nietzsche é a afirmação irrestrita e incondicional da existência que está intimamente ligada à idéia de que tudo se repetirá. Afirma Nietzsche:
“Não queira jamais uma coisa se não a quer por toda eternidade”. (NIETZSCHE, 2001).
 Nesta perspectiva poder-se-ia dizer que é neste pensamento que repousa toda a ética Nietzschena.
A idéia do eterno retorno, por seu turno, desdobra-se totalmente no aparecimento do super-homem, pois, só um novo homem pode realmente afirmar a existência, ao invés de suprimi-la por valores superiores e metafísicos.
O super-homem, portanto, representa a forma ultrapassada dos sentimentos mesquinhos, afinal ele representa o “sentido da terra”, o amor mais profundo à existência e o fim do niilismo, ou seja, o fim do homem “cansado de querer” e do homem que “deseja o nada”.
Conforme Nietzsche, sozinho no universo, o homem desesperou-se. Não ousa “querer”, a vida perdeu o seu sentido, ele está exaurindo demais para desejar o que quer que seja. Sendo assim, é necessário fazer nascer o super-homem: o momento em que o homem deseja morrer, deseja ser superado. Entretanto, ele virá quando o homem afirmar a vida, quando o homem souber amar  a existência sem depreciá-la, sem fazer dela um fardo que o oprime. Afirmar a existência e querer o seu eterno retorno é o que anuncia o super-homem.
Fico fascinado com as palavras de Zaratustra, pois também acho inconcebível crer num Deus absolutamente estático. Diz ele: “Eu só poderia crer num Deus que soubesse dançar”. (NIETZSCHE, 2001). Dançar é não ter o espírito de peso; é com leveza, pôr-se incessantemente no devir das coisas, nesse eterno destruir e criar de tudo que existe. Neste Deus eu também creio, um Deus que baila pelo universo, que caminha conosco, que não é imóvel, mas que constantemente mobiliza-se indo ao nosso encontro a procura de um relacionamento de amor. Um Deus que dança não pode está morto e no fundo Nietsche sabia disto, mas ele queria mostrar que as instituições engessam Deus, fazendo-o morto.

Autor: Israel Leal
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Comentário de Mano Serafim: 

Considerei excelente este discernimento do autor...

Neste mesmo artigo tente transcrever [substituindo] a palavra "SUPER-HOMEM" por "SUPER-EGO".
Dada a uma odisséia filosófica começando viajem pelo existencialismo de Hegel  em que Kierkegaard consegue fazer ponte com a teologia. Surgem nesta nave cosmica dois "cosmonautas" de pólos extremamente longinquos: Nietzsche e Raul Seixas. 
Certa feita o maluco beleza (Raul Seixas) o qual sempre admirei as suas canções (na sua maioria que me fazem até hoje viajar para dentro de mim mesmo) disse:
"O meu egoísmo é tão egoísta que o auge do meu egoísmo é querer ajudar.
Não sei por que nasci para querer ajudar, a querer consertar o que não pode ser.
Carpinteiro do universo inteiro eu sou..."
No final da música ele diz: "Carpinteiro de mim".
Saindo de um maluco e citando outro maluco, Nietzsche, ambos tinham as suas razões e percepções no tocante à vida, a existência e a divindade.
Raul parecia acreditar num deus imanentemente panteísta, já Nietzsche buscou discernir Deus pelas lentes do cristianismo histórico e pagão. Longe de se inquirir uma exumação dos fragmentos teológicos e idiossincráticos da vã filosofia, o sofisma grego novamente ergueria os arcabouços e os arquétipos do politeísmo para se autojustificar como projeções deificadas na ambiência subjetivada do ser-homem animal...
Melhor do que se escancarar para um niilismo e esvaziamento do si mesmo e de qualquer hipótese absurda sobre os deuses inventados pela imaginação humana, ou sobre algum pretexto teológico (monoteísta) que defina uma volição para um espírito que represente uma divindade [ou sua divindade particularizada], para o filósofo, a idéia absoluta de um Criador contrariava toda a lógica do pensar humano e dissolveria potencialmente qualquer chance ante a razão filosófica de se haver fé inata na alma humana, nada que o poderia revelar a sua subjetividade para além de Deus - "Deus criou o homem reto, mas o homem procurou invenções", ou” Deus colocou a eternidade no coração (alma) do homem" - Quem poderá discernir estas coisas através da lógica e da razão animal sem surtar?
Ora, se Nietzsche afirmasse categoricamente a MORTE DE DEUS ele estaria incluído na lista dos heróis da Fé de He.11.
E por quê?
Por que só pode-se afirmar a MORTE de alguém ou até mesmo de um deus se este ser de fato EXISTIU / VIVEU enquanto ser vivo. Quem morreu é porque certamente nasceu ou veio a existir de alguma forma...
Seria mais prudente cientificamente falando afirmar a não existência de (D) deus do que tentar discutir a sua morte. Se Deus de fato não existe, logo o universo veio a existir do nada de uma eternidade de coisa nenhuma... Desta forma, como do nada ele veio a existir implica que o mesmo poderá deixar de existir de uma hora para outra, ou exatamente do nada (desaparecerá).
No evangelho a morte de Deus se revela como um ensaio glorioso em que a Morte das mortes venha a ser tragada pelo Autor da vida!
Seria flagrar a cena de Deus tomando o lugar do réu-mortal e como agora Réu-do-réu, Deus digladia com Ele mesmo [entre a vida e morte de si mesmo] no tribunal divino, absolvendo o homem ex-réu devedor eterno que haveria de morrer eternamente como sentença de sua DÍVIDA ETERNA para com o eterno Criador.
Daí o fato de se crer-aceitando e saber-entendendo de que a criação foi um ato-desejo unilateral de puro amor e graça de Deus!
Não havia a NECESSIDADE de nada, pois, se a idéia de que não havia nada nos cosmos, Deus também não existiria em razão de nada...
Portanto, ninguém tinha obrigação de nada por nada no Gênesis da criação! Deus criou o mundo porque o quis e não porque foi impelido ou obrigado a criá-lo do nada...
Daí o torna-se dificultoso para o homem natural acreditar que Deus o criou para a Sua glória e louvor da Sua santidade!
A morte de Deus acontece não somente nos ambientes da filosofia nietzschiana e da ciência espiritualista, ela é também cultuada funebremente nas ambiências das religiões que fazem o uso idolatrado de seu panteão como também veneram os mausoléus de seus mártires sagrados.
Hoje a Neuroteologia se utiliza de práticas terapêuticas para além de uma simples oração, sem fazer menção de qualquer deus ou entidade religiosa. Como também no meio da cristandade protestante a idéia de um deus primitivo e anticapitalista tem sido descartada não somente através das retóricas falaciosas de seus lideres, mas legalmente excretado pela nova dogmática racionalista.
Seria preciso decretar a morte de todos os deuses da fixação humana para que o Deus Encarnado voluntariamente se propiciasse a Redenção -, "Recebi um mandamento de dar a minha própia vida e depois tomá-la de volta!". (Jesus Cristo)
Jamais li na história a história de um deus que quisesse morrer por seus súditos!
Mas, por quê?
Por que tais deuses míticos-imaginários jamais poderiam retornar á vida como detentores da sua própria imortalidade!
Ora, e aqui se enterram todos os argumentos quanto a fé!
Quando Jesus disse a João que esteve morto e reviveu e que vivo estaria para todo o sempre, João perdeu a razão, esqueceu a lógica, estremeceu da cabeça aos pés e desmaiou aos pés de Jesus.
A isso chamamos de EXPERIÊNCIA com o sobrenatural (neste momento o temporal e o eterno se conectam e se comunicam na existência)
Quando de fato o amor metafísico (ágape) não encontra mais espaço nos corações dos homens, aí o cheiro de morte toma conta de todo o ambiente entranhável do ser, o individuo parece estar vivo, mas vegeta, ele finge estar vivo e saudável interiormente, mas lá por dentro o que há é putrefação espiritual, há tempos que ele vive para cima e para baixo feito um zumbi ambulante, e o que mais se parece é com um sepulcro caiado (por fora lindo e limpo, mas por dentro o que há é a matéria orgânica em estado de decomposição...).
Ora, eu posso ser tão egoísta no meu pensar que pensaria que Deus só morreu para salvar os homens do mundo [arrisco em dizer que a maioria esmagadora pensa assim...]
“Se Deus não me criasse ele não existiria, mas já que Ele me fez e me pôs no mundo, eu existo e Deus é.” Se Deus é, então tudo que venho descobrindo e criando acerca de mim mesmo, Deus é causa absoluta de meus atos e pensamentos. E se concordo com o principio de que Deus sabe tudo o que desejo e do que se passa no meu coração, decretar a Sua morte na minha existência me custaria grassar uma vida recheada de ódios, ressentimentos e rejeições e vazios existenciais, posto que esses fossem os meus conteúdos existenciais que iria me levar ao tédio da vida desprovida dos arroubos e da absoluta alegria de poder estar Nele eternamente.
Crido nisso quem poderá resistir a sondagem do Espírito Santo, senão aquele que deixou-se envenenar com o egoísmo reinante de seu superego Zarastruta???
Se existe algum estigma no evangelho, este é a apropriação da verdade no ser. E assim “deve” ser, sem barganhas com o eu fetichizado!
Viver com os paradoxos que apontam para o absoluto é totalmente se render para todas as desconstruções que corporificaram a dogmática cristã até aqui...
Aí meu mano, Kierkegaard como ninguém provoca-nos a uma maior inclinação e compromisso com a Palavra em nossa existencialidade, quanto cristãos objetivos!
Nem mesmo o própio Jesus se igualou a Deus e a nenhum outro ser filosoficamente imponente, embora, ele mesmo [para quem existimos] tenha dito "para isso nasci e vim ao mundo"... ,
Kierkegaard bate a porta na cara da História e convida a Nietzsche para uma "queda de braço". No entanto, o que é o pensamento de Kierkegaard senão uma patética desconstrução da dogmática cristã que, longe de desacreditá-la, paradoxalmente a corrobora e legitima, esclarecendo e resgatando o seu sentido eminentemente existencial?
Ora, e para quem leu e entendeu Kierkegaard discernirá que ele parte sempre da concretude da existência para lhe desvelar a lógica interna (Nietzsche neste ponto se iguala a ele) que, no final das contas, ilustra bem o que pretendia dizer a sua virada doutrinal, eminentemente especulativa, aliás? Articular uma desconstrução com uma vontade de edificação - o que foi de fato a sua grande empreitada - não será um paradoxo mordaz que tem tudo, nos dias de hoje, se não para nos agradar, pelo menos intrigar-nos?
Estaríamos cansados dos profetas da morte de Deus e da morte dos homens, anunciada já na fúnebre esteira da vida?
De vez em quando me pergunto: Voltar a Kierkegaard não seria um sinal de um diagnóstico que está começando a se esboçar sobre o estado espiritualmente agonizante do mundo ocidental????
Não será o seu método, seu estilo de debate, de investigação interior patética, no pólo oposto de todo o dogmático e de toda ideologização do religioso, que leva hoje a dar ouvidos a uma reabilitação da idéia de pertinência do cristianismo na modernidade?
Seria o filosofar do “maluco beleza” que se considerava tão egoísta a ponto de querer ajudar ao próximo como alguém que deseja existencialmente se livrar de uma culpa que pulsava em seu ser egocêntrico?
Talvez, a loucura do ateísmo de Nietzsche o pusesse como o sínodo da perfeição do pensar humanista, de maneira que a sua própia lógica de perceber a existência sem um mentor divino e transcendental dissolveria qualquer reação contrária a sua própia arrogância filosófica.
Nada mais assombroso e terrível do que ter que conviver com a SOLIDÃO do pensar nesta existência...

Fico por aqui!

Mano Serafim

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